segunda-feira, 24 de julho de 2017

CONTATO

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Contato

quinta-feira, 15 de junho de 2017




Alguns dizem que em uma certa noite do ano, se você passar sete portas pretas você verá os sete portões do inferno. Eu pensei que era um mito no início, até que eu tentei. Passei sete portas pretas em torno de meu bairro, então quando eu fui dormir, meus sonhos estavam em um fogo furioso. Então ele parou. Havia um homem, alto e forte, seus olhos piscavam bastante, o que mostra que ele está velho, e as pernas e as mãos eram finos e parecia que ele mal conseguia suportar seu peso, ele falou. Ele falou com um tom áspero e terrível. Ele disse: " Emoclew ot eht neves Setag fo lleh ". Ele riu e abriu o portão. Meu corpo todo ficou dormente. Eu me movia por vontade própria eu não podia lutar contra isso. Lutar não funcionou. Eu desisti de tentar combatê-lo. Sem controle, fui passando o primeiro portão.


Portão 1 - Eu vi fogo mostrando os cadáveres que foram horrivelmente mutilados, profanados e queimados. Eles estavam chorando tão alto que eu não conseguia ouvir a crepitação do fogo. Um veio até mim. Com um olho e furos de balas por todo o corpo. Ele disse: " Nós somos os cadáveres profanados que não receberam um enterro apropriado. Temos que ficar aqui até o dia do julgamento . " Passei por ele, e fui para o segundo portão. Foi em um edifício.

Portão 2 - Eu estava em um calabouço. Havia pessoas amarradas. Gritando de dor. Um estava sendo serrado ao meio de forma muito lenta e seu corpo continuava a se curar pronto para ser serrado novamente. Um deles foi jogado em um lugar com a porta sendo fechada. Quando a abri o corpo parecia tão normal como sempre. Um homem usando uma máscara de um carrasco me disse: " Nós somos os torturadores, torturados pelos nossos próprios meios. " Eu fui atrás dele até a saída, e andei até o terceiro portão.

Portão 3 - Desta vez eu estava em uma floresta. Estava tudo em silêncio, exceto por alguns gritos. Havia um homem pendurado em uma corda. Outro caiu de um penhasco, reapareceu e caiu novamente. Eu estava correndo. Olhei para trás e o que eu vi foi uma mulher terrivelmente queimada correndo atrás de mim. Eu já sabia o que isso era. Estas foram as pessoas que cometeram suicídio. Corri para o quarto portão. Foi em um palácio.

Portão 4 - Eu estava lá. Vi imperadores, políticos, e pessoas realmente ricas. Um imperador estava sendo roído por leões. Quando o leão arrancou um osso, o quebrou nos dentes. Um político estava sendo espancado pelo que parecia ser sombras de prisioneiros. Um homem em um terno veio até mim e disse: " Nós somos o povo corrompido. As pessoas que usaram nosso alcance para ajudar a nós mesmos e não as pessoas. " Eu andei até o próximo portão, o quinto .

Portão 5 - Eu estava em outra sala. Havia um homem amarrado em uma cama amarrada por chicotes de couro espetado flutuante. A mulher estava sendo queimada por um mais leve, mas seus gritos foram abafados por um pano que foi usado como uma mordaça . Um homem bastante grande veio até mim e disse: " Nós somos os estupradores e os agressores sexuais, pagando por nossos crimes na Terra. " Eu corri para o portão 6 .

Portão 6 - Eu estava em um quarto novo. Eu vi um homem e uma mulher, sendo esfaqueados, curando suas feridas quase que imediatamente. Outra pessoa estava sendo enterrada viva. E outro a ser atingido e espetado com uma barra de metal flutuante. Eu sabia quem eram, eles eram as pessoas que estão sendo mortas do jeito que matou suas vítimas. A saída foi o sétimo portão. "O final. Este pesadelo está quase no fim. Está quase no fim " eu disse para mim mesmo.

Portão 7 - Eu estava do lado de fora. Havia um homem vestindo um manto sobre a cabeça coberta com explosivos. Ele explodiu, regenerou-se, e explodiu novamente. Outro estava sendo espancado, esfaqueado por objetos de metal pontiagudos e queimados por tochas, isqueiros e fósforos. Eles foram detidos por pessoas que pareciam sombras. Um deles veio até mim e disse: "Eles são os assassinos em massa, os terroristas e homens-bomba . Eu sou a sombra de uma de suas vítimas e vim espancá-lo e me vingar pela morte de nós na terra. " Eu corri para a saída.

Quando acordei de manhã eu fiquei terrivelmente assustado. As imagens que eu vi passaram pela minha cabeça. Na verdade isso era tudo o que eu estava pensando durante todo o ano. Tornou-se dia novamente, não tive coragem de ir lá fora à noite. Eu só fui para a cama. Levei um tempo para dormir. Quando eu o fiz eu estava na frente do primeiro portão do inferno. Havia mais alguém lá não era um adolescente como eu. Ele estava olhando para mim. Ele ficou chocado ao me ver. Meu corpo, em seguida, tornou-se dormente. Eu não conseguia me controlar de novo. Eu disse a ele com um tom de terrível arranhado. " Emoclew ot eht neves Setag fo lleh ". Eu ri e abri a porta para ele. Depois que ele entrou com uma expressão que parecia que ele estava lutando contra algo e lutando. Olhei para mim mesmo em uma taça cheia com o que parecia ser sangue. Vi o porteiro . Eu me tornei o porteiro. Na verdade eu sou o porteiro.

os 7 portões do inferno

sábado, 3 de junho de 2017

   Asmoday





 O Grande Rei Asmodeus é conhecido como aquele que incita os filhos da linhagem demiúrgica à luxúria desenfreada, prendendo-os em grandes agonias de remorços e culpas infindas. É considerado também por grandes estudiosos do caminho da mão esquerda como um dos principais Príncipes Infernais, podendo se comparar em poder com o Grande Deus dos Ares Beelzebuth e até mesmo ao Grandioso Senhor de toda a Sabedoria e Gnose: Lúcifer. A mitologia judaica, através do Talmud aborda-o no Livro de Tobias 3,8,17. Seu nome em hebraico é Aschmedai, em latim Asmodaeus, o que em nossa língua portuguesa se derivou no nome conhecido e difundido entre nós como Asmodeus ou Asmodeos.



alguns de seus nomes mais conhecidos são: Asmodeu: português, Asmodaeus: latim, As'medi: em aramaico, Asmodäus: hebraico, Ashmedai: Talmud, Acheneday: hebreu, Asmaidos ou Asmodaios-Ασμοδαίος: grego, Asmodée: francês, Asmodeo: espanhol  e italiano além de: Asmodai, Ashmadia, Asmoday, Asmodei, Ashmodei, Ashmodai, Hashmodai, Asmodeios, Asmodeius, Asmodi, Chammaday, Chashmodai, Sidonay, Sydonai. Além é claro, do nome principal persa Aeshma-Deva.
Algumas interpretações da raiz do seu nome significam: “O Destruidor”, “O Senhor que Julga” ou ainda o “Dono do Julgamento”. Ele também pode ser interpretado pelo anjo destruidor de Apocalipse 9:1

e de II Samuel 24:16, além de Provérbios 18: 25. “Aquele que faz perecer” também é um dos significados de interpretação de seu nome, além de “O Demônio da Ira” e “O Exterminador”.
A Natureza de Asmodeus
Apesar de alguns estudiosos em demonologia atribuirem sua "vingança" cega somente ao rei de Israel, Salomão, há registros no deuterocanônico livro de Tobias como: 'assassino dos noivos de Sara', pois existe a possibilidade de Asmodeus ter desejado/copular com esta. Na demonologia clássica Asmodeus é um demônio irado que, assim como Satanás, se opõe a tudo o que é demiúrgico, aplicando seu poder de destruição e fúria acausal imensurada às emanações de Marduk!

Ele, magísticamente é conhecido por algumas vertentes do caminho da mão esquerda como 'Aquele que tanto une, quanto separa casais', devido ao seu Grande Poder de influência em emanações nos sentimentos humanos. É um Deus difícil de se lidar, pelo fato de que, historicamente, fora traído por Salomão, e, trancafiado em uma Urna. Urna essa conhecida pelos ´praticantes de goetia, mas que também possui relação com as piras funerárias, muito conhecidas nas religiões afro-brasileiras como "quartinhas de exu".



Alguns antigos grimórios relatam que Asmodeus possui relação com Aeshma-Deva (nome derivado da língua persa), por isso alguns também acreditam que Ele é um Deus Persa, cultuado por este povo há milhares de anos. Sendo isso verdade os relatos antecedem a narrativa judaico-cristã sobre esta Figura-Entidade Poderosíssima e Singular. O que é relatado nestes Grimórios é que, o rei Salomão tenha se decepcionado com o seu deus hebreu YHWH e tenha se voltado para os Deuses dos povos vizinhos, que foram "endemonizados" pelos homens e a cultura hebreia. Salomão adorou-lhes e cin ekles fez um pacto. Seu principal contato com estes Príncipes do Inferno foi o Rei Asmodeus. A própria bíblia, relata tais eventos: "Porque sucedeu que, no tempo da velhice de Salomão, suas mulheres lhe perverteram o coração para seguir outros deuses; e o seu coração não era perfeito para com o Senhor, seu Deus, como o coração de Davi, seu pai." I Rs 4:31.

A Bíblia aponta ainda a comunhão de Salomão com Milcom, Moloque, Astarote, dentre outros Deuses Obscuros, incluindo assim, Asmodeus.
Seguindo ainda relatos de alguns Grimórios, Salomão teve ajuda de Asmodeus na construção do Templo de Israel, pois a tecnologia da época não remontava a habilidade para um advento tão "glorioso" (a nível de sofisticação e engenharia) a construção puramente humana do Templo erigido ao deus hebreu, assim sendo, Salomão depois de ter o que queria, ou seja, usado o Deus do Caos para os seus próprios caprichos, teria de alguma forma etorpecido-o, quando este estivera plasmado, ou seja, materializado de frente a Salomão, e, somente dessa forma, o havia prendido em tal urna.   O que é sabido também é que a técnica que Asmodeus ensinara ao rei Salomão era a de colocar espigas de milho entre as pedras que eram empilhadas com betume e argamassa, que ao “estourarem” devido ao forte calor, dava uma forma perfeita e extremamente engenhosa às paredes e as colunas centrais do Templo.

O que a história remonta depois é que Asmodeus consegue se libertar colocando o anel do rei Salomão, e assim, assumindo sua forma humana, e, reinado em seu lugar por cerca de 40 anos, o que deixou o rei de Israel perturbado mentalmente e vagando no deserto judaico por cerca de 4 décadas!

Salomão para aprisionar Asmodeus utilizara técnicas magísticas desenvolvidas pela cabala negra judaica e até mesmo conhecimentos ocultos poderosíssimos adquiridos através de suas mulheres, inclusive as de cunho de magia egípcia, pois bem sabemos que é impossível de forma comum e simples aprisionar uma Inteligência imaterial, principalmente tratando-se de um dos Príncipes do Inferno. Hoje, àqueles que invocam Asmodeus devem ter muita cautela, pois existem alguns segmentos ocultistas que se utilizam das mesmas práticas abusivas que o rei Salomão teria utilizado no passado para tentar novamente Evocar o Espírito do Grande Asmodeus para fins diversos.


Pira Asmodeus


Sigilo de Asmodeus
Selo Asmodeus

Alguns dizem que Ele foi o Feiticeiro Principal que tornou-se em forma de uma aranha, como arma nas mãos do Grande Lúcifer para sufocar e derrotar o demiurgo (cristo) na cruz, assim, asfixiando-o até a morte, tamanha ira da linhagem demiúrgica imunda.
Agora, existem informações bem precisas Dentro da Via Draconiana, que expressam com verossimilidade que, Asmodeus pertence e tem relação com a esfera Planetária de Marte, e que a Porta Obscura associada às suas Evocações chama-se Titahion e a sua Esfera Cabalística é a de Golachab.

Sigilo de Golachab
Sigilo de Golachab


Os favores daqueles que comungam a verdadeira essência deste Magnífico Deus são:

Coragem para vencer todo e qualquer tipo de obstáculo
Desejo e sede de poder destrutivo (tanto causais quanto acausais)
Poder de rituais sexuais para maldição e destruição da Unidade através do lançamento da guerra, do conflito e da raiva. Arte militar e de dominação do sexo masculino e a aniquilação total dos inimigos!
Derramamento de sangue através de aniquilação pelo fogo, e, principalmente o reforço do Fogo do Caos Interno, possibilitando a abertura de novos Portões Obscuros com a ajuda de rituais sangrentos.
Ainda dentro do conhecimento Real, através da Corrente dos 218, Asmodeus é conhecido como o incinerador obscuro das paixões (qualquer empecilho de obstinação que faça o iniciante/iniciado de evoluir em amplos sentidos), o ódio cego, o Rei Irado acaulsal e o mais belo de todos os títulos: o Assassino de Deus! Ele habita / está composto no Quinto Ângulo de Sitra AHRA, a grosso modo falando sobre as esferas Qliphóticas da “Árvore da Morte”. Por isso alguns demonólogos acreditam que Ele foi um anjo que pertencia aos céus na ordem dos Querubins ou Serafins. Em Tradições Apócrifas antigas, ainda acredita-se que Ele poderia ser filho de Adão com Lilith (consorte de Adão antes mesmo da criação de Eva, que depois teria se demonizado e se tornado a Terrível Deusa Negra, mas que não vem ao caso neste estudo).

Quanto a sua aparência Asmodeus é mostrado na demonologia como um ser com asas e três cabeças: uma de carneiro, uma de touro (simbolizando a fertilidade) e uma de homem, com sopro de fogo, é como uma espécie de dragão infernal, cospe fogo e é armado com uma lança, possuindo pés de galo e cauda de serpente. Segundo algumas vertentes do Satanismo Ele ainda é capaz de ensinar ao homem às artes mecânicas, a invisibilidade, a clarividência, a geomancia, a astronomia, a geometria e a aritmética, além do artesanato.

Dies Irae, Dies Illa, Solvet Cosmos In Favilla!  Vocamus Te Aeshma-Diva!
Dias de Ira, Dias que Dividirão o Universo Reduzindo-o em Cinzas!
Invocamos-te Aeshma-Diva! Hail  Aeshma-Diva! Hail 218!

estudos sobre demonios - asmodeus

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Depois de tudo... Ainda não importa
Depois de todos os meus sacrifícios... Ainda não muda
O tempo apenas se repete
Ou pelo menos parece se repetir.

Você pode tentar fazer as coisas perfeitas
Mas é melhor você subir a escadaria sem fim
Coisas que são feitas para serem quebradas... Nunca podem ser consertadas
Quanto mais tempo você desperdiça... Mais dóI
Mas em vez disso você continua...
O estágio da negação pode ser muito poderoso
Tão poderoso como qualquer droga que causa conflito com a mente.
E finalmente acabou...
Nada foi deixado para viver
Olhando para o conjunto de lâminas de barbear...
E ele convida você mais e mais para ele...
O sofrimento, apenas começou...


The Suffer

sábado, 29 de abril de 2017


Geralmente a avó começava a gritar-lhe no instante em que a porta se abria, indagando por que Ludmila se demorara no bosque ou se, por acaso, se comportara mal na escola e por isso fora castigada. Havia ocasiões em que a avó nem mesmo isso dizia, arremessando o travesseiro contra Ludmila, sempre preparada para pular de lado. Mas naquele dia foi diferente. Nenhum travesseiro foi-lhe arremessado. E também não houve gritos.

— Babushka?

Arriscando um olhar para a avó, Ludmila viu as trancas brancas espalhadas sobre o travesseiro e a coberta puxada para o alto, como a arrumara algumas horas antes. Teve vontade de dizer: “Perdoe-me pelo que fiz esta manhã, Babushka. Não queria ser uma menina má. Por favor, perdoe-me e diga alguma coisa. Por favor...”

Se a avó não falasse agora, passaria dias e dias sem dizer coisa alguma. Nem uma única palavra. Talvez só voltasse a falar depois que a neve começasse a cair e o pai e irmãos de Ludmila tivessem voltado da colheita.



Cuidadosamente, para não acordar a avó, Ludmila arrumou os rabanetes e o repolho sobre a mesa, juntamente com uma preciosa fatia de porco salgado. E depois foi pôr lenha no fogo. Babushka vivia-se queixando de estar com frio, mesmo no tempo mais quente. A cada dia, Ludmila tinha que descrever círculos maiores pelo bosque, a fim de pegar lenha. Na primavera seguinte, pediria ao pai e irmãos para deixarem uma pilha maior de lenha, antes de partirem para a colheita no início do verão. Se Babushka quisera a cabana mais quente naquele verão do que no anterior, certamente haveria de querê-la ainda mais quente no verão seguinte.

Mas, por outro lado, Ludmila já estaria então com 13 anos e seria capaz de cortar alguma lenha. Ou pelo menos os galhos mais baixos dos pinheiros e bétulas em torno da clareira. Se pudesse fazê-lo, os homens teriam o tempo necessário para escavar o poço que algum dia levaria água para dentro da cabana. Ou talvez pudessem fazer um cercado em torno da horta, a fim de que os coelhos e veados não roubassem tudo o que plantavam, como vinha acontecendo. E agora quase não havia comida para o inverno que se avizinhava. O simples pensamento deixou-a mais faminta do que o habitual. E quase já não havia rublos em casa, até que o pai voltasse.

Evitando olhar para a avó, que detestava ser surpreendida dormindo, Ludmila fritou o porco, descascou os rabanetes e cortou o repolho, pondo tudo para cozinhar no fogo, com o resto de água que ainda estava no balde. Pôs o xale e saiu de novo, atravessando a clareira na direção do riacho que corria ruidosamente sobre as pedras, quase como uma balalaica de Shura.

Se ficasse fora de casa por mais algum tempo, Babushka continuaria a dormir e haveria menos tempo para que se queixasse. De qualquer forma, era melhor ficar ali fora, pensando e contemplando as moitas e as árvores. E o cheiro era também melhor. O cheiro no interior da cabana era simplesmente horrível.

Ao voltar para casa, fingiria que acabara de chegar da escola e do armazém. A avó, como sempre, poderia gritar ou jogar-lhe o travesseiro. Depois, tomariam a sopa e iriam dormir. Dentro de alguns dias, talvez uma semana, o pai e os irmãos estariam de novo em casa. Babushka ficava mais calma sempre que eles estavam em casa. Mas era como o pai dissera, na primavera anterior:

— Se você tivesse que ficar na cama com as pernas paralíticas, minha querida Ludmila, também estaria rabugenta e implicante.

Se o pai o dissera, então era assim mesmo. Afinal, ele não era o melhor pai que existia no mundo? Ajudava-a nos deveres de casa e sempre aparecia na escola nos dias mais escuros do inverno, no momento em que Ludmila se preparava para iniciar a longa e solitária viagem de volta a casa, através dos bosques. O Camarada Varvara, o mestre-escola, dizia que cada pessoa devia produzir de acordo com sua capacidade e colher de acordo com suas necessidades. Mas a avó comia sem produzir qualquer alimento. O pai dizia que, na idade dela, isso era natural; no passado, a avó já produzira muito.

Naquele verão, quando os passarinhos e outros animais vinham devorar a horta, quando não havia forragem para alimentar o gado e os carneiros, quando não havia o que dar aos porcos e galinhas, estavam presentes todos os indícios de que os lobos voltariam a aparecer no próximo inverno, segundo o velho Nikolai, do armazém. Há três anos que ninguém da aldeia via um lobo. Mas todos sabiam que, quando as pessoas morriam de fome, os lobos sempre apareciam.

Ludmila jamais vira um lobo, mas já os ouvira uivando. E com bastante frequência. Babushka sempre dizendo que as meninas más só serviam mesmo para alimentar animais selvagens.
Ah, seria maravilhoso quando o pai e os sete irmãos voltassem! Provavelmente ainda naquela semana, dissera o velho Nikolai, sacudindo a cabeça tristemente, porque um retorno prematuro significava uma má colheita e menos comida para todos. De qualquer maneira, o pai manteria os lobos longe da cabana, como sempre o fizera antes.

Assim que todos estivessem em casa, não mais haveria as manhãs escuras e solitárias, quando Ludmila tinha que se levantar da cama em que dormia com a avó, quebrar o gelo no balde com água e cozinhar a kasha, depois de ajudar Babushka com o penico.

Havia ocasiões em que a avó reclamava tanto e a retardava de tal forma que Ludmila tinha de correr pelo bosque até a estrada e daí até a aldeia, mesmo assim chegando atrasada à sala comunal onde funcionava a escola. O Camarada Varvara sempre a castigava com deveres de casa extras, a serem feitos à luz de vela. Se a avó pelo menos pudesse produzir velas ou não demorasse tanto no penico...

E lá estava a primeira estrela. Outras despontaram um instante depois, brilhando cada vez mais intensamente, apesar da lua já estar subindo pelo ar, que naquela noite estava tão amarela quanto as bétulas durante o dia. Uma noite maravilhosa, impregnada pelos sussurros que vinham do bosque.

No ano passado, o pai e os irmãos tinham chegado um mês depois, cantando ruidosamente, vindos da aldeia, onde os caminhões tinham-nos deixado. Haviam saído correndo ao verem-na acenar, disputando para ver quem a alcançaria primeiro. Quem quer que o conseguisse, imediatamente a levantava nos braços e quase a sufocava de apertos e beijos, demorando bastante antes de largá-la para o seguinte na fila. Mas nenhum deles jamais corria para beijar a avó.

Seria ótimo se eles voltassem mais cedo este ano, como o velho Nikolai afirmava que iria acontecer. Mas seria triste por causa das pessoas que iriam morrer de fome naquele inverno, talvez até algumas de sua própria comuna.

Qual das pessoas de sua família poderia morrer?

Não o pai, que era forte e saudável. Não os irmãos, porque eram jovens e fortes. Não Babushka, que não era jovem nem saudável, mas era a mais forte de todos. Era o que o pai estava sempre dizendo. Cada vez que Babushka lhe perguntava:

— Quem é o mais forte de todos nós?

— E você, querida mãezinha.

Babushka sacudia a cabeça e sorria, mostrando as gengivas encolhidas. Os sete meninos e Ludmila riam e aclamavam. Porque o pai sempre se postava num lugar em que Babushka não podia vê-lo e piscava alegremente, para indicar o que realmente pensava.

Mas com todos eles tão fortes, restava apenas uma pessoa que era fraca. Uma menina má, que não podia cortar lenha, que ficava irritada quando Babushka se demorava no penico todas as manhas, que detestava trazer-lhe água para que se lavasse, que não gostava de arrumar a cama e ajeitar o travesseiro sob as trancas brancas.

Pobre Babushka... Era fácil demais odiá-la, era difícil recordar que estava velha e aleijada. Mas como alguém poderia amá-la, se cheirava tão mal e gritava tanto? Naquela manhã, quando Ludmila já estava atrasada para a escola, Babushka arremessara-lhe o travesseiro, alegando que estava duro. Ludmila desatara a chorar. Jogara o travesseiro contra a avó, vendo-o cair sobre o rosto encarquilhado. Minutos depois estava correndo a caminho da escola, o mais depressa que podia, chorando sem parar.

Mais estrelas. Ao luar, as sombras iam ficando cada vez mais difusas e compridas. Ludmila afastou-se do córrego e atravessou a clareira até a porta da cabana. Sentou-se no balde virado ao contrário, sem querer entrar.

Um grito ou um travesseiro em sua cara? Uma queixa ou uma exigência? O que aconteceria se reagisse ao grito? Ou se tornasse a jogar o travesseiro em Babushka? E se ela não entrasse, ficando ali fora, à espera do pai e dos irmãos?

Quando eles chegassem Ludmila gostaria mesmo de ficar dentro de casa. A cabana estaria então ressoando de conversas e risadas. E de noite
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ouviria o violino de Oleg e a balalaica de Shura, sob o acompanhamento das palmas ritmadas do pai. Rodio, Vukuly e Kyril dançariam um gopak. E depois Ludmila valsaria com todos eles, contando cuidadosamente para que não brigassem para decidir quem seria o próximo. Não havia música e dança todas as noites, porque, uma vez por semana, os homens iam até a aldeia, para beber cerveja e conversar com os amigos.

Se ela morresse de fome naquele inverno, com quem eles iriam dançar? Ludmila assoou o nariz com a ponta do xale. Morrer talvez não fosse tão ruim assim. No céu, ela descobriria pessoalmente como a mãe era. É verdade que o Camarada Varvara dissera que não existia o paraíso. Ela contara a história ao pai, que comentara:

— É bem possível. Mas, seja como for, sua mãe era um anjo.

Só que o pai não conseguia recordar-se se ela era grande ou pequena, feia ou bonita. Sabia apenas que tinha sido a mulher certa para ele e jamais descobrira outra igual.

Babushka dizia que nenhuma mulher, muito menos a segunda esposa do filho, merecia tal devoção. Além do mais, ele não precisava de uma segunda esposa, já tendo sete filhos homens. O que a segunda esposa poderia fazer a não ser produzir outra menina inútil? Era ótimo que não tivesse havido outra filha além de Ludmila. A própria Ludmila já era demais, tão faminta que era. Às vezes, quando Babushka começava a falar sobre meninas fracas, meninas más, meninas famintas, Ludmila sentia vontade de machucá-la.

Dois anos atrás, quando Babushka se levantava pela manhã da cama que partilhava com Ludmila, sofrera subitamente uma queda. O pai atravessara correndo a cortina que dividia a cabana. Ludmila estava tão assustada que se pusera a chupar o polegar, coisa que há anos não fazia. Babushka estava de olhos fechados e respirava tão ruidosamente como se estivesse roncando. Quando o pai se ajoelhara ao lado dela e começara a chorar, Ludmila desatara também a chorar.

Mas a avó finalmente abrira os olhos, revirando-os. E mais algum tempo se passara antes que resmungasse:

— Ludmila... Ludmila... ela me empurrou...

Um médico viera examiná-la, para determinar sua remoção para um hospital. Dissera que Babushka sofrera um derrame e nunca mais voltaria a andar. E acrescentara que havia poucos leitos para os vivos, muito menos para os agonizantes. Alegara que não havia razão para transferir Babushka para o hospital. Ela poderia morrer a qualquer momento, de um choque súbito ou simplesmente pelo coração parar. Ou podia sobreviver por muitos anos. Mas era justamente esse o problema. Eles estavam mais preocupados com aqueles que podiam recuperar-se e voltar a produzir.

Ludmila pensara em perguntar: e o que vai acontecer comigo? Os verões já eram terríveis. E se a avó tivesse de ficar na cama, o próximo verão seria ainda mais longo e difícil, com os homens longe de casa.

Dois anos... Um tempo interminável. E jamais ouvira um “obrigado” ou um “por favor” de Babushka. Só fazia gritar e jogar o travesseiro nela. No inverno passado, o pai ficara furioso por causa disso:

— Já chega! Está sendo rude demais com Ludmila. Ela está trabalhando mais do que você poderá voltar a fazê-lo.

Babushka ficara tão ofendida que mal falara durante todo o inverno. E passara a beliscá-la durante a noite, os dedos cruéis encontrando a perna, o braço ou uma orelha de Ludmila. Ela beliscava e beliscava até que Ludmila não conseguia mais aguentar. Empurrava a avó para longe. Mas a velha nunca mais caíra da cama.

Ludmila suspirou e pegou o balde. Abriu a porta e hesitou por um instante, esperando que o travesseiro voasse em sua direção. Mas a avó continuava exatamente como a deixara pela manhã. Com o travesseiro ainda comprimido sobre o seu rosto.

Cuidadosamente, Ludmila largou o balde no chão. Tirou a panela do fogo e serviu sopa em sua tigela. Pegou uma colher e tomou tudo, saboreando lentamente. Depois, sem olhar para a cama, levantou-se e serviu-se do resto da sopa,tomando tudo tranquilamente.

Ludmila




Quando desliguei o telefone, a minha vontade era apenas de chorar. Chorar como se minhas lágrimas pudessem lavar minha alma, meus pecados, minha tristeza. Chorar como se o próprio Deus tivesse me pedido para afogar de novo o mundo sob um dilúvio, desta vez proveniente de minhas lágrimas.

Quem estava do outro lado da linha era meu pai. Ele é zelador em um colégio de ricaços aqui em São Paulo. Graças a isso, eu e meu irmão tivemos educação de primeira classe quase que a custo zero. Ele havia ligado porque haviam problemas na escola, onde continuava trabalhando, mesmo depois de aposentado.

O problema todo tinha a ver com pessoas que eu conhecia. Dona Lucinda havia sido minha professora de educação artística. Foi uma das professoras que mais me influenciou pela vida toda, um ser humano fantástico. Só tinha um probleminha: fumava feito uma chaminé. Fora isso, e muito mais importante que isso, era um ser humano maravilhoso.


Fiz aula junto com a filha dela, Luísa. No segundo grau, ela foi uma das grandes paixões não correspondidas da minha vida. Vinda de uma classe muito mais abastada que a minha, acabei caindo no papel de pobrezinho bom para amigo, mas jamais bom o suficiente para namorado. Papel que, aliás, eu vivia interpretando enquanto estudei naquela escola. Fazer o quê? Felizmente, é um tempo que ficou para trás. Luísa, por sua vez, formou-se em Letras e foi dar aulas de Português e Inglês na escola onde sua mãe havia trabalhado e nós havíamos estudado juntos.

Lembro perfeitamente de quando Dona Lucinda morreu. Câncer de pulmão. Óbvio como dois mais dois serem quatro. Lutou muito, lutou até o último minuto. Mas há uma hora em que todos temos de ir.

Numa determinada hora do velório, lembro de ter saído para tomar um ar fresco e visto Luísa caminhando entre os túmulos, absorta em seus pensamentos, com um cigarro na mão. Apesar de odiar cigarro, normalmente não fico enchendo o saco de fumante, a menos que a fumaça esteja me incomodando. Mas, naquele dia, naquela situação, eu não consegui me conter:

- Já não é suficiente esta porcaria ter levado uma pessoa da sua família?

Ela me respondeu apenas:

- Fácil criticar. O vício não é seu...

Pouco tempo depois, Luísa morreu num incêndio, adivinhem só, provocado pelo cigarro que estava em sua mão quando ela adormeceu, bêbada. O divórcio com seu príncipe encantado acabara com os nervos dela. E a única coisa boa que resultou deste casamento foi uma menina linda chamada Maria Helena, para quem nunca consegui olhar sem pensar que ela deveria ter sido minha filha.

E era este mesmo o motivo da minha enorme vontade de chorar. Meu pai havia dito apenas uma frase ao telefone:

- Euller, a Maria Helena está com problemas. Ela precisa de você.



xxxx



Foi fácil encontrá-la. Terminei de subir a escada e virei à direita, na direção das salas de aula. Ela estava no ateliê das aulas de educação artística. Sentada no chão, entre papéis e giz de cera, desenhando. Eu procurei me aproximar com cuidado, não queria que ela se assustasse. Ao meu lado, o professor de educação artística, Professor Mazuka – do qual todos davam risada por ser talvez o único japonês no mundo a se chamar Sebastião. Sebastião Mazuka.

Eu estava apreensivo. Já é complicado quando se trata de adultos, fica pior ainda quando envolve crianças. Especialmente crianças que conhecemos e amamos. Mazuka, por sua vez, não conseguia disfarçar seu nervosismo. Eu entendia perfeitamente. Naquele momento ele era alguém que estava se sentindo fora de seu território, inseguro e se sentindo desafiado. E não podia fazer o que fazia habitualmente, se refugiar na sua autoridade de professor.

Chamei por ela com a maior suavidade que pude colocar em minha voz.

- Maria Helena?

Ela não virou o rosto em minha direção. Estava ocupada, desenhando. Apenas sorriu. E sorriso de criança é assim: um mais lindo que o outro. Aquilo doeu em meu coração.

 - Oi, Euller!

Eu não sabia o que dizer. Felizmente, ela mesma acabou quebrando o silêncio.

- Euller, por que o professor Mazuka nunca deu dez em desenho pra ninguém da minha classe?

Desta vez, eu sorri. Eu sabia a resposta para aquela pergunta. Mas achei que Mazuka precisava participar da conversa também.

- Então, professor Mazuka, por que você nunca deu dez para ninguém da sala da Maria Helena?

Mazuka estava realmente incomodado. E quase se precipitou.

- Ela...

Fui rápido em interrompê-lo.

- Professor Mazuka, não seja indelicado. Apenas responda a pergunta, sim?

Não me preocupei em ser gentil com ele porque já havíamos conversado antes. E ele quase estragara o que havíamos combinado.

- Sim, c,c, claro - gaguejou Mazuka - Desculpe... ahn, é que eu percebi que, quando eu dava dez nos desenhos, as crianças acabavam se acomodando depois. E não criavam mais como poderiam criar, entende?

Sorri de novo para ela.

- Está explicado?

Ela fez que sim, balançando a cabeça. Seus longos cabelos castanhos balançaram de maneira desajeitada.

- Euller, você quer desenhar comigo?

- Claro, Maria Helena! - Eu não queria que a situação se prolongasse, mas contrariá-la não ia ajudar em nada - O que eu devo desenhar?

- O que você quiser.

Apanhei papel e giz de cera. Mazuka fez menção de falar, mas fiz sinal para que silenciasse. Ele se calou a contragosto. Eu entendia o seu incômodo. Mas eu falaria com ele depois. Havia questões muito mais importantes em jogo no momento.

Sentei-me em uma das carteiras e comecei a desenhar, sem tirar os olhos dela. Mas também procurei caprichar no desenho. Nada ali poderia dar errado.

- Maria Helena, o que você acha do meu desenho? - coloquei o papel no chão, ao lado do desenho dela.

Ela olhou com um ar bastante crítico. Eu não pude deixar de sorrir, eu conhecia aquele ar de superioridade, como se o desenhista fosse um espécime inferior e que estivesse prestes a ser guardado num frasco ou jogado no lixo. Mazuka fazia isso com todos os alunos. Era muito ruim. Não era à toa que ela tinha tantas divergências com ele. Ele não era mau. Mas era uma pessoa difícil de se lidar, especialmente para uma criança vinda de um lar onde o conto de fadas acabara de falir.

- Eu achei seu desenho muito bom, Euller. Eu acho que você merece dez. O professor Mazuka concorda?

- Professor Mazuca, Helena acha que meu desenho merece um dez. O que você acha?

Ele fez o que sempre fazia. Levantou os óculos, fez aquela expressão desagradável e deu seu veredicto:

- Eu concordo com ela. Você se saiu muito bem. E ela fez uma excelente avaliação.

Cortei Mazuca antes que ele estragasse tudo, pecando agora pelo exagero.

- Obrigado, Professor Mazuka. Foi muito gentil de sua parte.

E, voltando-me mais uma vez para Maria Helena:

- Você não está cansada, querida? Não quer ir descansar?

Ela acenou que sim, com a cabeça.

- Mas antes quero terminar uma coisa.

Estendendo-se até onde estava meu desenho, ela escreveu algo nele com seu giz de cera. Depois levantou-se e, batendo a poeira do uniforme, ela finalmente virou-se de frente para mim. Pude então ver o outro lado de sua face, destruído pelo fogo.

Foi uma das poucas vezes que fiquei feliz por ter a experiência que tenho nestes assuntos. Apesar da visão da face desfigurada ter mexido comigo, pude disfarçar meu incômodo. Ela não precisava tomar consciência daquilo. Tampouco iria contar aquele detalhe para Mazuka. A cabeça dele já estava a mil com toda aquela situação.

- Bom, então eu vou indo, Euller. Estou tão cansada...

- Sim, querida, vá tranquila. Está tudo bem. Pode ir descansar agora. - Queria abraçá-la, beijá-la, dizer que eu queria muito ter sido pai dela e que eu ia sentir muitas, mas muitas saudades mesmo. Mas me limitei a sorrir. Eu não queria que nada lhe prendesse aqui, neste mundo, agora que ela já não pertencia mais a ele.

Ela fez um tchauzinho para mim, virou-se e seguiu andando em direção ao fundo da sala. Antes de chegar à parede, ela desapareceu.



xxxx



A copa estava vazia, afinal todos os professores tinham iniciado suas aulas naquele momento. Então eu e Mazuka podíamos conversar à vontade, sem precisar nos preocupar com ninguém, pelo menos pelos próximos quarenta e cinco minutos.

- Euller, você pode me explicar o que é toda esta confusão onde acabei me metendo?

- Embora pareça absurdo, é relativamente simples. - Minha vontade era aproveitar o momento para dar um sermão em Mazuka, porque eu também nunca havia gostado da pose que ele fazia e do modo pedante como tratava os alunos. Mas sabia que ele fazia tudo isso porque era tímido e inseguro. Tratar-lhe com dureza não o ajudaria a aprender nada com aquela situação.

Ajeitando meus óculos, continuei minha explicação:

- Maria Helena admirava muito você. Ela sempre foi uma excelente desenhista, você sabe disso. E admirava você, não apenas por sua habilidade em desenho, mas também por ser capaz de ensinar as pessoas a desenhar.

- Nunca percebi isso...

Acabei sentindo pena do pobre coitado. Tinha um talento enorme para desenho, pintura e design, mas era um zero à esquerda quando se tratava de pessoas.

- Mas é verdade. Ela me disse isso várias vezes, quando ainda era viva. Então, quando cheguei aqui e meu pai disse que algumas das suas alunas começaram a gritar no meio de sua aula que estavam vendo o fantasma dela, eu logo entendi o que estava acontecendo. Ela queria resolver suas diferenças com você antes de partir. Morrer pode ser uma coisa confusa, ainda mais quando se é criança e se parte de uma forma tão violenta assim, como no incêndio que vitimou Maria Helena

- O que foi que você viu lá em cima? Ela estava realmente lá?

Percebi onde ele estava querendo chegar:

- Você realmente não está acreditando em nada disso, não é?

Ele respirou fundo. E foi sincero:

- Não. Aceitei você aqui porque seu pai, a quem todo mundo admira nesta escola, me disse que você podia ajudar estas pobres meninas histéricas. Mas não achei que você ia acabar me fazendo passar por essa encenação, de ficar falando com o ar, como se fôssemos duas crianças brincando de faz de conta.

- Eu entendo. Mas há algo que você deveria ver, antes de chegar a qualquer conclusão.

E entreguei para ele o desenho que eu havia feito lá no ateliê de artes, quando conversamos com Maria Helena.

Quando ele olhou para o desenho, pude observar a surpresa em seu rosto. Ele estava estupefato. Afinal, escrito com giz de cera no canto inferior direito da página, estava escrito "Dez! Meus parabéns!" E ele conhecia bem aquela letra, sabia que pertencia a Maria Helena.

- Meu Deus, esse seu dom deve ser horrível, né? Ficar falando com os mortos....

- Existem raras vezes em que vale a pena. Esta foi uma delas. Bom, até logo, professor.

- Até logo e obrigado, Euller.

Deixei Mazuka na copa e fui até um banheiro que ficava nos fundos da oficina de manutenção, o pequeno império de meu pai dentro daquela escola. Fui lá porque sabia que ali eu não seria incomodado. Tranquei a porta e finalmente me permiti chorar.

Chorei como se minhas lágrimas pudessem lavar minha alma, meus pecados, minha tristeza. Chorei como se o próprio Deus tivesse me pedido para afogar de novo o mundo sob um dilúvio, desta vez proveniente de minhas lágrimas.

fonte: http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/09/quando-os-anjos-nao-querem-voar.htm

Quando Os Anjos Não Querem Voar


Estava atrasado!

Quando cheguei ao velório, o primeiro fato que me chamou a atenção dizia respeito a presença de Helena, sentada e prostrada ao abandono no canto mais discreto da capela. Levei algum tempo até perceber que ela encontrava-se alheia ao que ocorria ao seu redor. A falta de percepção para aceitar o óbvio se constituía em uma das duas perspectivas sempre presentes naquelas ocasiões especialmente fúnebres: havia os que encontravam-se mortos, e sabiam disso, mas recusavam a partida derradeira por pendências pessoais mal resolvidas. Havia os que estando mortos, não se davam conta desta condição.

Helena, infelizmente, encontrava-se na segunda perspectiva: ela não sabia que estava morta!


No velório havia dois caixões: o dela e do marido. O acidente de carro que vitimara os dois acontecera bem próximo da casa deles naquela noite chuvosa. Ninguém soube exatamente como aconteceu a tragédia, mas por conta de um celular ligado dentro do veículo dizia-se, a boca pequena, que Vanderlei, o marido, estava transtornado com ela. Descobrira que Helena o estava traindo há bastante tempo. O casal discutiu muito. Trocaram xingamentos e acusações, que resvalaram inevitavelmente para a agressão física. Ele perdeu o volante na tentativa de aplicar uns bons sopapos nela. E deu no que deu: o carro saiu da estrada e acabou se chocando com um enorme muro de pedras maciças que ficava a um quarteirão dali.

De minha parte, acreditava piamente na hipótese da discussão no carro porque Vanderlei, o marido de Helena, era meu primo. Já o conhecia há muito para saber que ele tinha um temperamento instável. Tratava-se de uma pessoa violenta e arredia. Não entendia como Helena, uma mulher tão distinta, tão educada, fora contrair matrimônio com um troglodita daqueles. Custava-me crer que fosse apenas o dinheiro.

Minha família encontrava-se naquele pequeno santuário para o último adeus ao casal. Minhas tias, primos, sobrinhos, meus pais e todos os amigos de Vanderlei rodeavam os caixões. E Helena, a pobrezinha, sentada no canto da capela ainda não havia se dado conta por que ninguém, até então, viera-lhe oferecer as condolências. Talvez achasse que apenas Vanderlei tivesse morrido, ela não.

O dom de ver e falar com os mortos já se manifestava em mim desde pequeno. No início foi muito difícil lidar com a situação. Passei por dificuldades psicológicas extremamente estressantes que, creiam-me, quase me levaram à loucura. Não tive uma infância decente. Nem eu mesmo, às vezes, consigo acreditar como superei tudo sozinho. Mal saído da adolescência já havia perdido as contas do número de defuntos encontrados vagando nas ruas sem saber que tinham morrido. Adquiri o hábito de ajudá-los a realizar, como gostava de dizer, o “passamento derradeiro”. Confortava-me saber que, ao menos, esta qualidade inata tinha lá a sua serventia.

E, naquele momento, precisava ajudar Helena, a mulher com quem vivi uma relação amorosa intensa. Um relacionamento secreto que, descoberto, causara-lhe o infortúnio de morrer tão jovem. Um desperdício.

Apesar de morta, e não sabê-lo, a criatura continuava linda. Fui até ela decidido a não deixá-la mais acorrentada ao limbo incerto dos que ficam entre os vivos. Cheguei de manso e de fala baixa.

— Helena, minha querida.

— Oh, Alberto – disse ela levantando-se da cadeira assustada – o que está acontecendo? Ninguém quer falar comigo. Eles estão me ignorando. Não respeitam a minha dor! O que está acontecendo?

— Você já foi ver o Vanderlei?

— Claro que não! Eu... bem... não tenho coragem de olhar. Alberto, ele descobriu tudo sobre nós. Tudo! – Ela disse baixinho, como se alguém na igrejinha lhe pudesse ouvir.

— Helena, minha querida. – Disse-lhe sem me aproximar apontando o queixo para os caixões. - Você precisa ser forte e ir até lá.

— Oh, Alberto, eu não tenho coragem de olhar.

— Amor – falei no tom mais suave que me foi possível – você ainda não percebeu que há dois caixões sendo velados aqui na capela?

Ela olhou na direção do amontoado de pessoas em torno dos caixões, levantou as sobrancelhas levemente em tom de curiosidade, e voltou-se novamente para mim.

— Pode ser qualquer um – deu de ombros – afinal esta capela é para isso mesmo: velar os mortos.

Ia ser mais difícil do que eu pensei. Pobre Helena.

— Querida, observe que todos os membros da nossa família estão ao redor dos “dois” caixões! – Disse enfaticamente.

Ela se voltou, novamente, na direção do amontoado de parentes aflitos. Os olhos se inflaram de surpresa. As linhas da testa se contraíram rapidamente. O interesse tornou-se evidente. Deus três passos à frente ficando ao meu lado.

— Alberto, quem morreu, além do Vanderlei? – ela perguntou sem rodeios.

— Helena, meu amor.

— Quem?

Não tive outra opção.

— Você.

Ela se virou e me encarou buscando a verdade nos meus olhos. Não os desviei um centímetro sequer para não lhe oferecer falsas esperanças. No fundo, no fundo, talvez já soubesse. Sei lá. Não tive coragem de dizer mais nada. A conversa foi rápida. A conversa foi seca. Não esperava que fosse assim. Ela tomou a decisão. Passou por mim, na verdade, sua áurea perfeita me transpassou e seguiu na direção dos caixões. A única coisa que pude dizer enquanto ela ia para o seu destino foi “adeus”. Eu sabia o que ia acontecer. Já presenciara o fenômeno centenas de vezes. Quando Helena visse o seu próprio corpo dentro do esquife envernizado, aí sim, o “passamento derradeiro” fecharia o ciclo de vez e a sua presença seria levada à eternidade.

Helena, ao chegar diante de seu próprio caixão, levou as duas mãos à boca. Não gritou. Não fez escândalo. Virou-se, de súbito, para mim. Pude ver, pela última vez, o seu rosto assustado, irradiando aquele brilho intenso que, eu sabia, iria tomar-lhe o corpo todo. Ela flutuou por alguns centímetros. Foi a cena mais bela que já vi. Parecia um anjo sem asas! Como era de costume, aos que iniciam a passagem final, olhou para as próprias mãos. Eu nunca soube bem a razão, mas era a partir das mãos que o processo começava. E foi a partir das mãos de Helena que o brilho lhe tomou conta, ofuscando tudo ao seu redor, como uma janela em quarto escuro que se abre para os raios do sol a pino. Não se podia mais divisar o seu belo corpo. A luz se intensificou no seu máximo e sumiu abruptamente levando-a para sempre. Simples assim.

— Adeus, meu amor – disse não conseguindo deter uma lágrima que me escorreu pelo rosto.

Estava exausto. Então, sentei-me na cadeira.

Deixe-me ficar, naquele assento duro, a ruminar pensamentos de quando nos amávamos intensamente. Um riso fraco me escapou dos lábios ao lembrar-me dela. As raras oportunidades que tínhamos, investíamos sempre em um amor urgente. Um querer apressado. Tínhamos fome um do outro. Nunca a esquecerei. Helena. Nunca! Você sempre será...

— Alberto, seu desgraçado, traidor. Vou matá-lo com as minhas próprias mãos.

Pulei da cadeira feito uma mola. Havia esquecido completamente do Vanderlei! De fato, não o vira perambulando por ali. Outra pobre criatura que, decerto, desconhecia sua condição de falecimento. Não sei qual a razão, mas algo me dizia que Vanderlei sabia, sim, que estava morto, porém recusava-se a ir embora. Tinha uma pendência ainda por resolver e tal pendência era comigo! Os mortos que exigem vingança são os mais complicados de realizar a passagem derradeira. Podem ficar anos vagando dentro das casas, fazendo barulho, arrastando objetos, atrasando as vidas dos que considera culpados de sua desgraça. São muito mais difíceis de convencer a seguir o seu destino.

Fiquei de pé num piscar de olhos, resignado, em enfrentar a vergonha de ser escorraçado por um defunto, porque fisicamente, ele nada podia fazer contra mim.

Tudo aconteceu muito rápido. Vanderlei entrara atabalhoadamente dentro da capela. Ele estava com o braço esquerdo inteiramente enfaixado com gases. O rosto, bem machucado, trazia os minúsculos cortes dos vidros estilhaçados do para-brisa e mancava exageradamente em uma das pernas. Preparei-me para o confronto.

No entanto, ele não veio em minha direção!

Vanderlei partiu como uma fera acuada direto para os caixões, empurrando as pessoas que lhe queriam confortar a dor de sua perda e, usando o ombro ileso, num ímpeto de fúria, empurrou os dois ataúdes fúnebres com toda a força que lhe permitia o seu estado debilitado. Os dois esquifes caíram de lado e espatifaram-se no piso de mármore. Deu-se um barulho estrondoso de madeira rachando que vibrou até os candelabros de velas dependurados no teto da capela. Meus tios horrorizados caíram-lhe em cima para dominá-lo. Minhas tias gritavam e choravam histericamente. Mamãe, coitada, desmaiou caindo por cima de toda aquela bagunça. Um verdadeiro escândalo. Num dos caixões notei o cabelo de Helena aparecer na sua lateral, no outro, o impacto da queda havia expelido o seu conteúdo para fora: Aí, eu vi o outro morto estatelado no chão!

Pasmem, era eu.

Sim, era eu mesmo.

Morto! Eu estava morto!

A imagem do meu corpo me atingiu em cheio. Estremeci dos pés à cabeça. Pisquei diversas vezes, não porque quisesse enxergar melhor, mas porque fora acometido, de súbito, por um fluxo intenso de lembranças. Flashes de imagens entrecortavam-se me trazendo à memória as últimas oito horas de esquecimento. Algo como um filme passou em frente de mim em rotação acelerada. Helena chorando ao telefone. Helena me dizendo que Vanderlei descobrira toda a verdade. Helena dizendo que ele ia matá-la. Eu saindo de casa, bem apavorado, armado de revólver, em meio à noite chuvosa. Eu correndo pela rua em direção à casa deles. O carro deles aparecendo na curva em desabalada carreira. O carro deles vindo em minha direção. O rosto de Vanderlei retorcido de ódio atrás do para-brisa. Helena tentando tomar o volante do lunático. Levantei a arma e atirei. Acertei na cabeça dela, sem querer! Os faróis do carro me engolindo foi a última coisa que vi no mundo terreno.

O fim!

— Os desgraçados eram amantes! Eles eram amantes! Eles eram...

Os gritos de Vanderlei, aos poucos, iam ficando cada vez mais distantes. Estranhamente a paz me invadiu. Senti uma leveza em mim que nunca havia sentido antes. Olhei para as minhas mãos porque eram através delas que se iniciava o “passamento derradeiro”.

E elas começaram a brilhar!

Fonte: http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/10/os-vivos-e-os-mortos.html

Os Vivos e os Mortos

segunda-feira, 3 de abril de 2017

estamos com um novo projeto ! provavelmente se deve saber que endereço do site mudou e segundo criamos um outro blog que estamos com projetos sobre o rock iremos falar de coisas do rock e bom deixarei o link aqui caso quiserem acessar


obrigado pela atenção !


aviso ! #importante


Escuta - disse o demônio, pousando a mão sobre a minha cabeça. - O país de que te falo é um país lúgubre, na Líbia, às margens do rio Zaire. E ali não há repouso nem silêncio. As águas do rio, amarelas e insalubres, não correm para o mar, mas palpitam sempre sob o olhar ardente do Sol, com um movimento convulsivo. De cada lado do rio, sobre as margens lodosas, estende-se ao longe um deserto sombrio de gigantescos nenúfares, que suspiram na solidão,erguendo para o céu os longos pescoços espectrais e meneando tristemente as cabeças sempiternas. E do meio deles sai um sussurro confuso, semelhante ao murmúrio de uma torrente subterrânea. E os nenúfares, voltados uns para os outros, suspiram na solidão. E o seu império tem por limite uma floresta alta, cerrada, medonha!

Lá, -como as vagas em torno das Híbridas, pequenos arbustos agitam-se sem repouso, contudo não há vento no céu! - e as grandes árvores primitiva oscilam continuamente, com um estrépito enorme. E dos seus cumes elevados filtra, gota a gota, um orvalho eterno. A seus pés contorcem-se num sono agitado, flores desconhecidas - venenosas. E por cima das suas cabeças, comum ruge-ruge retumbante, precipitam-se as nuvens negras a caminho do ocidente, até rolarem as cataratas para trás da muralha abrasada do horizonte. E nas margens do rio Zaire há repouso nem silêncio.Era noite e a chuva caía enquanto caía, era água mas quando chegava ao chão era sangue! E eu estava na planície lodosa, por entre os nenúfares, vendo a chuva que caía sobre mim. E os nenúfares voltados uns para os outros suspira na solenidade da sua desolação.



De repente apareceu a lua através do nevoeiro fúnebre vinha toda carmesim! e o meu olhar caiu sobre um rochedo enorme, sombrio, que se erguia a borda do Zaire, refletindo a claridade da lua; era um rochedo sombrio sinistro de uma altura descomunal! Sobre o seu cume estavam gravadas algumas letras. Caminhei através dos pântanos de nenúfares, até a margem para ler as letras gravadas na pedra; mas não pude decifrá-las. Ia voltar quando a lua brilhou mais viva e mais vermelha; olhando outra vez para o rochedo distingui só caracteres. E esses
caracteres diziam: desolação.

Levantei os olhos; na crista do rochedo estava um homem de figura majestosa. Pendia-lhe dos ombros a antiga toga romana, cobrindo-se até aos pés. Os contornos da sua pessoa não se distinguiam, mas as feições eram as da divindade porque brilhavam através da escuridão da noite a do nevoeiro. Tinha a fronte alta e pensativa, os olhos profundos e melancólicos Nas rugas do semblante, liam-se as legendas da desgraça e da fadiga o aborrecimento da humanidade e o amor da solidão Escondi-me no meio dos nenúfares para ver o que aquele homem fazia ali. E o homem assentou-se no rochedo, deixou pender a cabeça sobre a mão e espraiou a vista pela soledade, contemplou os arbustos buliçosos e as grandes
árvores primitivas; depois, ergueu os olhos para a céu a para a lua carmesim. Eu observava as ações do homem escondido no meio dos nenúfares e o homem tremia na solidão.

Todavia a noite avançava e ele continuava assentado sobre o rochedo. Então o homem desviou os olhos do céu para o rio lúgubre para as águas amarelas do Zaire, e para as legiões sinistras dos nenúfares; escutou-lhes os suspiros melancólicos e as oscilações murmurantes E eu o espreitava sempre, do meu esconderijo e o homem tremia na solidão. Todavia a noite avançava e ele continuava assentado sobre o rochedo. Embrenhei-me na profundezas longínquas do pântano, caminhei sobre e as flores dos nenúfares e chamei os hipopótamos que habitavam a espessura do bosque E os hipopótamos ouviram o meu chamado e vieram os Behemothes até o pé do rochedo e soltaram um rugido medonho E eu, escondido por entre os nenúfares, espreitava os movimentos do homem e o homem tremia na solidão.

Todavia a noite avançava e ele continuava assentado sobre o rochedo. Então invoquei os elementos e uma tempestade horrorosa rosa sobreveio. E o céu tornou-se lívido pela violência da tempestade e a chuva caía em torrente sobre a cabeça do homem e as ondas do rio transbordavam e o rio espumava enfurecido e os nenúfares suspiravam com mais força, e a floresta debatia-se com o vento, e o trovão ribombava e os raios flamejavam, e o rochedo estremecia. Irritei-me e amaldiçoei a tempestade, o rio e os nenúfares, o vento e as floresta, o céu e o trovão E na minha maldição os elementos emudeceram e a lua parou na sua carreira, e o trovão expirou e o raio deixou de faiscar, e asnuvens ficaram imóveis e as águas tornaram n repousar no seu imenso leito, e as árvores cessaram de se agitar, e os nenúfares não suspiraram mais e na floresta não se tornou a ouvir o mínimo murmúrio, nem a sombra de um som no vasto deserto sem limites.

Olhei para os caracteres escritos no rochedo e os caracteres diziam agora: Silêncio. Volvi outra vez os olhos para o homem, e o seu rosto estava pálido de terror. De repente, levantou a cabeça, ergueu-se sobre o rochedo e pôs o ouvido à escuta. Mas não se ouviu nem uma voz no deserto ilimitado E os caracteres gravados no rochedo diziam sempre: Silêncio. E o homem estremeceu e fugiu e para tão longe fugiu que jamais o tornei a ver. Ora, os livros dos magos, os melancólicos livros dos magos encerram belos contos, esplêndidas histórias do céu, da terra e do mar poderosos; dos gênios que têm reinado sobre a terra, sobre o mar e sobre o céu sublime. Há muita ciência na palavra das Sibilas. E das florestas sombrias de Dodona saíam outrora oráculos profundos.

Mas jamais se ouviu uma história tão espantosa como esta! Foi o demônio que ma contou, assentado ao um lado, na solidão do túmulo. Quando acabou de falar, desatou a rir e como não pudesse rir com ele, amaldiçoou-me. Então o lince, que vive eternamente no túmulo, saiu do seu esconderijo e veio deitar-se
aos pés do demônio, olhando-o fixamente nas pupilas.

fonte: http://creepypastadark.blogspot.com.br/

Silêncio - Edgar Allan Poe

quinta-feira, 30 de março de 2017


Quem nunca tirou uma vida não pode entender as razões de quem já o fez. Por isso, não tente aplicar a mim as suas noções de justiça, necessidade ou prazer. Vou contar a minha história não para que você me julgue, mas para que a experimente, se for capaz.

Meu pai sempre teve armas em casa. Era colecionador. Eu nunca pusera um dedo em nenhuma, pois sabia que o velho me arrancaria o couro, talvez literalmente. Quando íamos para o sítio da família no interior, ele sempre levava pelo menos uma espingarda de chumbinho. Eu o observava acertar alvos parados, depois móveis, e aquilo podia proporcionar horas de agonia para minha mãe, que ficava mais pálida a cada tiro ouvido a distância. Não é um esporte para pessoas frágeis.

Nosso caseiro era um homem de uns 50 anos, com cara de mais de 60, sem esposa, filhos ou dinheiro, que meu pai empregara por piedade. Mas em pouco tempo os vizinhos do interior começaram a nos telefonar em São Paulo queixando-se de que o homem aprontava nos botecos da cidadezinha, completamente bêbado, arranjando encrenca com os peões. Quando contratamos o pobre viúvo, não sabíamos que era um alcoólatra.


Nas férias de verão, fomos para lá e assim que chegamos demos com a horta nos fundos da casa, de onde mamãe tirava seus temperos e saladas, mastigada por pássaros e insetos. O gramado, amarelo e sem viço, e o pomar, forrado de frutas podres que ninguém havia colhido.

O homem foi despedido. Lembro-me dele naquela manhã, sóbrio, protestando. Papai não cedeu. Era um homem firme. Vi o velho ir embora cabisbaixo e senti uma ponta de estranha satisfação.

Na noite seguinte, minha mãe recolhia roupas do varal quando eu a ouvi gritar. Corri para fora antes de meu pai, mais curioso do que aflito, e vi o antigo caseiro segurando-a pelo braço. Ele não passava de um bêbado gritando bobagens, mas ela tremia de pavor.

Eu tinha sete anos e me lembro de tudo isso e do que veio depois tão bem quanto a gente consegue lembrar de quando tinha essa idade. Comecei a xingá-lo, velho feio e nojento, os piores nomes que um rapazinho de família sabia. Papai saiu da casa. Nas mãos, tinha a espingarda. Nos olhos, ódio.

Minha mãe escapou e me arrastou para dentro, trancando-me no quarto. Me deixa sair, eu pedia, quero ajudar papai. Mas sabia que ele não precisava de nenhuma ajuda. Eu queria ver o que ele ia fazer com o homem. Mamãe, não. Por isso, ficou apenas escorada do lado de fora da minha porta, impedindo que eu saísse ou que olhasse pelo buraco da fechadura.

Da janela, entre as frestas da veneziana, vi meu pai levar o velho em direção ao bosque que ficava perto da casa principal, apontando a arma para sua nuca. Abri a janela em silêncio, saltei na grama e os segui à distância.

Fui arranhado por uma dezena de trepadeiras e samambaiaçus que formavam o que para mim parecia uma verdadeira mata pré-histórica, repleta de sons noturnos e brilhos incertos. Andamos por muito tempo, a noite era quente, eu suava de calor e de excitação. Atravessamos muitos trechos de mata densa até que vi os dois pararem. Eu me escondi atrás de um tronco, temendo que me vissem. Não consegui enxergar mais nada. Ouvi suas vozes baixas, sem entender o que diziam. Então, um tiro, e outro, e mais outros. Depois, silêncio.

Quando finalmente achei seguro deixar meu esconderijo, meu pai estava tapando um buraco com terra e folhas. Não havia mais sinal do nosso antigo caseiro.

Ele se ergueu e acho que quase gritou quando me viu ali parado.

Não se preocupe, papai, eu disse a ele. Não vou contar nunca pra mamãe que você matou o homem ruim.

Ele não disse nada. Andou até o córrego no meio do bosque, lavou as mãos, enxugou-as nas calças. Quando alguém ameaça sua família, você fica louco, murmurou, creio que tentando convencer a si mesmo. Só então sorriu um sorriso forçado. Vai ser nosso segredo, disse.

Contou a mamãe que tinha dado um dinheiro para o velho ir embora e que se aparecesse lá de novo nós chamaríamos a polícia imediatamente. Isso bastou para ela.

Não falamos mais sobre aquilo e eu não perguntei a ele se tinha remorso de ter matado o velho. Mas muitas vezes me peguei deitado na cama imaginando o que ele havia sentido. Se seria excitante apontar uma arma para outra pessoa. Se seria divertido ouvi-la pedir misericórdia. Se seria prazeroso como nenhuma outra coisa olhá-la nos olhos, ver o terror em seu rosto e, ainda assim, disparar o gatilho.

Quando eu tinha uns doze anos meu pai me achou homem o suficiente pra aprender a usar a espingarda de chumbinhos. Tecnicamente, não é nem mesmo uma arma de fogo, pois não dispara movida a explosão, mas a ar comprimido. É coisa pra matar passarinho mesmo. Um brinquedo. Em meus treinos solitários eu imaginava como teria sido matar alguém com aquilo. Um tiro dado bem de perto num dos olhos funcionaria? Seria suficiente para penetrar no cérebro e arruinar tudo? Quem sabe com o cano colado na têmpora da vítima? Ou dentro da sua boca, o chumbinho rasgando a garganta por dentro, causando hemorragia, asfixia?

Fui experimentar minhas teorias. Havia um cão vira-latas que sempre aparecia pelos arredores, certo de receber restos de comida nos sítios. Encontrei-o sob uma árvore na estrada e mirei no olho. Infelizmente o tiro pegou na orelha, e o animal saiu correndo e ganindo, sem que eu conseguisse acertar um outro tiro num ponto mais vital. Mas no mesmo dia tive a sorte de encontrar outro alvo interessante. Estava bem no meio da estrada, semi-atropelada por alguma roda veloz. O corpo estava esmagado no local onde deviam ficar as entranhas. Era uma cascavel, arisca e belíssima em sua agonia contorcionista. Fiquei longe o suficiente para evitar a última mordida do bicho. Mirei bem na cabeça que se movia. Acertei em cheio! Depois, com meu canivete, cortei fora o chocalho da cobra, meu troféu. Carreguei por muitos anos o chaveiro que meu pai fez para mim com ele.

Logo, porém, a velha espingardinha perdeu a graça e procurei outras distrações. Com o tempo, como era de se esperar, comecei a olhar para as garotas com olhos que já não eram de menino. Aos quinze, tive essa namoradinha completamente doida. Era maior de idade e me mostrou o cigarro, a bebida, as drogas e o sexo, de longe a coisa mais interessante da lista. Seu sexo era bizarro e eu, um parceiro perfeito. Fazíamos teatro na cama, empregando uma dezena de brinquedos menos inocentes do que chicotes de couro. Verdade, ela mandava em mim e suas ordens eram: me chama de puta, me bate, me fode. Um dia, ela se jogou no chão e me pediu pra chutá-la. E eu chutei. Não parei de chutar quando ela pediu. Joguei-me sobre ela e apertei seu pescoço até não agüentar mais suas unhas enormes me arranhando os braços.

Ela se levantou ofegando, xingando, juntando as roupas, jurando que ia prestar queixa contra mim na Delegacia da Mulher. Eu disse a ela que a denunciaria antes como corruptora de menores, traficante, prostituta e sei lá mais quantas bobagens que eu era capaz de elaborar e que o seu estilo de vida confirmaria.

A polícia nunca foi me procurar por isso. Nunca mais vi a garota.

Sexo, drogas, badalação: nada disso me satisfazia. Eu levava em mim algo insaciável desde aquela noite no sítio, anos antes. Tinha vontade de procurar meu pai e perguntar tudo. Queria saber sobre o prazer, a sensação de ser superior àquele homenzinho desprezível e esmagá-lo feito uma barata, a noção de ser poderoso, maior do que a lei, a moral, a vida. Mas sabia que ele jamais confessaria.

Eu ansiava por aquilo que faria meu sangue ferver de verdade, algo que ensaiou sua aparição quando acertei o cão vadio, quando acabei com a agonia da cobra, quando arranquei as pernas dos camundongos no fundo da casa… Eu não falei dos camundongos? Eles me entretiveram por alguns anos. Eles e os pardais nas arapucas. Mas isso não é importante. O importante era aquele calor, aquele júbilo doido que tomou conta de mim quando quase sufoquei minha namorada. Essas coisas todas me davam prazer, estar no limite e, quem sabe, cruzá-lo. Mas eu não conheci o êxtase até aquela noite, seis anos atrás.

Eu havia chegado aos dezoito e saía há alguns dias com essa menina bonita, menor de idade ainda e, como toda menina, ansiosa para ser mulher. Sei o que estão pensando: chave de cadeia, certo? Como nem eu nem ela queríamos a intromissão de nossos pais nesse assunto, estávamos nos vendo às escondidas.

Fomos sozinhos a uma casa noturna no centro da cidade. A banda era boa, mas ela prestava mais atenção ao que eu cochichava ao seu ouvido. Soltei meia dúzia dessas bobagens românticas que tornam o caminho entre as pernas das garotas mais largo e rápido. Depois, meus verbos ficaram mais ousados, lamber, apertar, chupar. Ela aceitou voltar comigo para o carro. Vagamos por algum tempo até chegar a um local maravilhosamente deserto, cheio de casebres e terrenos baldios, nada convidativos a curiosos.

Ela era mesmo bonita. Rosto de criança e corpo de mulher, combinação irresistível, e eu não resisti. Inclinamos os bancos e eu comecei a beijá-la. Mas, volúveis, as mulheres acham que podem mudar de idéia no meio do caminho que aceitaram seguir, e ela, boa moça de família, não deixou minhas mãos continuarem roupas adentro, me chamou de apressado, calma que não é assim, eu sou virgem…

Suas mãozinhas prepotentes me empurraram. Era tudo de que eu precisava.

A verdadeira excitação cresceu em mim de forma explosiva e eu me joguei sobre ela. Ela ameaçou gritar, tampei sua boca com uma mão, com a outra eu puxei sua saia, examinei depressa o que escondia. Ela mordeu a mão que a amordaçava. Sem pensar, acertei um soco no seu rosto e travei os dedos em volta da sua garganta. Meu casaco grosso de couro impediu que ela me arranhasse, mas eu não pensava nisso na hora. Ela se debatia. Eu me lembrei dos pernilongos quando a gente os segura por uma perna e vai arrancando as outras devagar. Seus olhos enormes, arregalados, nada entendiam, só suplicavam, a boca muda, aberta como um mundo de novas sensações para mim. Vi as pupilas tremerem e sumirem por sob as pálpebras e a língua pender entre os lábios.

Aproximei meu rosto do seu: não respirava mais. Ainda penetrei o aperto de seu corpo seco, ainda quente, mas logo desisti. Aquilo não tinha mais graça; eu já havia apaziguado a minha sede.

Rodei por muito tempo na via que margeia o rio, madrugada afora, até sair da cidade. Antes que o sol nascesse e o movimento voltasse às ruas, arrastei minha vítima para a margem do rio, fiz uma chupeta no tanque do meu carro e despejei um pouco de gasolina no corpo. Acendi um pedaço de papel com meu isqueiro e joguei-o sobre o corpo. Creio que consegui ao menos desfigurá-lo e apagar o meu toque na sua pele já roxa. Era suficiente; empurrei-a para dentro da água imunda. Achei impressionante ver como foi fácil. Especialmente nos dias seguintes, quando ninguém da polícia veio me procurar.

Mas não resisti a guardar comigo o pingente que ela levava no pescoço. Um pequeno troféu, que guardei junto com o chocalho da cascavel no fundo de uma gaveta.

Naquela noite, conheci a verdadeira paixão da minha vida: a morte. A morte estampada nos olhos de quem encara seus instantes finais, a vida se perdendo sem defesa entre minhas mãos. Isso era poder. Isso era o gozo supremo.

E, sabendo disso, não pude mais parar.

Elas não precisavam ser garotinhas. Bastava que fossem jovens, de pele ainda tenra e olhos grandes nos quais eu pudesse ver meu rosto refletido antes de as pupilas se tornarem baças. A emoção de seduzi-las, levá-las comigo, despistar todos os olhares e então vê-las dar seu último suspiro me dominava completamente. A lábia, a transgressão e então o júbilo da vitória. Sempre guardava uma lembrancinha, anel, presilha de cabelo, até cadarço de tênis, na falta de algo melhor. Não podia manter um registro escrito da minha marca, pois seria muito perigoso, então essa era a minha forma de contabilizar. Minha mãe uma vez até encontrou o estoque e eu expliquei tranqüilamente que eram lembranças de minhas ex-namoradas. Chegaram a um total de doze peças. Uma para cada garota.

Sei o que você está pensando. Se não sinto culpa. Se nunca pensei na dor dos pais, maridos ou bebês dessas mulheres. Preciso confessar que não. O Doutor Junqueira diz que sou um psicopata, o que significa mais ou menos que sou incapaz de sentir remorso. É uma explicação tosca, mas basta para entenderem o que há de errado em mim – ou diferente, como prefiro dizer. Tem alguma coisa no meu cérebro, como uma peça fora do lugar, que me torna imune a esse complexo de culpa que todos tentam me incutir. Não sei se culpa é um sentimento ou um fato. Se for um fato, sim, eu assumo minha culpa, mas, se for um sentimento, será inteiramente desconhecido para mim até o dia da minha morte. Não foi erro do meu pai por me passar os valores errados ou mesmo da minha mãe por ser uma criatura fraca. Eu já nasci assim, diz o bom doutor.

Gosto do Dr. Junqueira. Ele é engraçado. Vejo o suor se acumular sobre sua boca e a caneta tremer na mão se ele anota alguma coisa enquanto conto detalhes do meu modus operandi. Desse jeito, acho que não vai durar muito como psiquiatra aqui dos detentos. Não sei se a reação é de nojo ou de prazer. Pra mim, é um pouco de cada. Os homens se escondem sob a moral. O doutor é assim, como meu pai.

Para que não digam que sou completamente insensível, saibam que sempre amei meu velho. Quando terminei a faculdade, ele me levou para o sítio, que eu já não visitava há alguns anos, e para a farra na cidadezinha próxima. Eu era oficialmente um homem. No bar, me falou de trabalho, de casamento, de família, de todas essas coisas que tornam um sujeito digno e que ele havia sonhado para mim. Bebemos muito, talvez demais, e, quando chegamos em casa, de madrugada, fomos praticar tiro em latas de cerveja que íamos esvaziando na boca à medida que precisávamos de novos alvos. Dificilmente acertávamos algum. Eu estava excitado e descuidado e comecei a fazer perguntas sobre aquele caseiro que ele havia liqüidado há muitos anos. Ele ficou sério apesar do álcool, mas insisti. Perguntei se ele se sentira vingado porque o desgraçado assustara mamãe. Se ele se sentira superior a ele ao dar-lhe ordens sob a mira da espingarda. Se tinha se sentido um homem de verdade ao mandar o desgraçado para o inferno. Porque estava bêbado, ele riu e disse que sim, e que o velhote era um grande filho da puta que já tinha olhado gozado para mamãe mais de uma vez e por isso merecia mesmo uma bala no meio dos cornos.

Então, finalmente, perguntei quantos tiros haviam sido necessários e onde haviam acertado. Se a morte fora rápida ou ele agonizara. Ele se deixou embarcar naquela conversa que em qualquer outra ocasião o teria deixado horrorizado. Aquelas respostas eram o meu santo grau. Nunca me senti tão próximo dele como então.

Eu não tinha a paixão de papai por armas. Preferia trabalhar com as mãos. Expliquei isso a ele quando contei sobre a minha coleção de lembranças das meninas. Falei a ele do meu prazer como um rapaz fala do seu primeiro amor. Ele ouviu em silêncio por alguns instantes e demorou para compreender. Quando o fez, seus olhos se arregalaram e ele começou a gritar comigo. Seu louco, seu desgraçado, oh, filho, não o meu filho, por quê, Deus, e outras palavras que não faziam o menor sentido. Ele andava de um lado para outro, me xingava e murmurava Deus, Deus, o que vou fazer?

Na minha ingenuidade eu confessara a meu pai o que realmente movia minha vida e agora ele me odiava. Disse num ímpeto que ia me denunciar. Você não vai fazer isso, respondi, sou seu único filho, não vai me mandar para a prisão.

Ele berrou, me chamou de criminoso, você tem de pagar pelo que fez. Eu disse que se ele me denunciasse eu contaria à polícia sobre o homem que ele havia matado. Mostraria até o local onde ele estava enterrado. Eu havia visitado aquele túmulo no bosque por anos a fio, em segredo, pensando na vida e na morte.

Ele me olhou com medo, vacilou. Não importa, disse então, e me deu as costas. Tive receio de que fosse para dentro buscar as chaves do carro e correr para a delegacia mais próxima. Papai, chamei, mas ele não se virou. Então, atirei nas suas costas.

Sem mirar, acertei-o entre os ombros e ele gritou de dor. Só então se voltou, e no ímpeto caiu sentado na grama. Eu me aproximei, recarreguei a espingarda, encostei-a na sua têmpora e disparei. Não me lembro de carregar de novo e de novo a arma, mas sei que o acertei repetidas vezes no rosto até ele parar de tremer.

Não. Eu não gostei de matar papai. Eu o amava de verdade. Mas ele ameaçou algo que eu amava mais ainda e tive de fazer. Tive. Não sinto culpa.

A polícia não engoliu minha história de que, quando acordei na manhã seguinte, papai já havia saído da casa no sítio e eu não o vira mais desde então. Mamãe, sempre tão frágil, desta vez decidiu ser firme. Papai tinha amigos entre gente graúda da capital e ela insistiu com todos eles, pedindo ajuda, influência, dinheiro, o que fosse necessário.

Não foi preciso muito. Não sei se ela já suspeitava de mim, mas um dia mostrou à polícia os meus troféus secretos e um oficial identificou o pingente que a minha primeira vítima usava numa foto. Acabei sendo detido. Mostraram minha coleção às famílias de algumas garotas desaparecidas, que reconheceram uma aliança de casamento, um chaveiro e uma caneta de luxo. Depois disso, confessei tudo.

Não sei realmente se o jornal publicará esta carta aberta, mas sei que alguém na redação há de lê-la. Como você, que me lê agora. Se você acredita que sou louco, tente, uma vez na sua vida vazia, colocar-se no meu lugar e pense de novo nesta pergunta: você já quis matar alguém? Não? Mentira. Apenas não teve chance. O que faria se estivesse lá? Comigo? Em mim? A vítima à sua frente, o desejo de matar na alma e todo o poder para isso em suas mãos.

A morte está em nós como a fome, a sede ou a libido. Está no jogo da sobrevivência. Livre-se dos seus valores morais, das suas leis e principalmente do seu medo de ser pego. Diga, o que sobra?

O que sobra sou eu.

fonte: http://conteudoperverso.blogspot.com.br/2013/12/voce-ja-quis-matar-alguem.html

Você já quis matar alguém?

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