quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Escute o Relógio

Se quiser perder todo o rastro da realidade e destruir sua sanidade por completo, simplesmente deve escutar o relógio.
Contudo, permita-me dizer, isto não será fácil. Não é algo com o que você deva brincar. É somente uma forma simples de perder cada rastro de sua mente, lá dentro dos confins... Do seu lugar. Para conseguir, tem que seguir algumas regras...

A primeira deve ser, você estar em um quarto sem janela nenhuma. Pode ser um quarto qualquer, só não deve ter janelas. A segunda é que, pode começar a qualquer hora do dia, inclusive se decidir começar à noite. Este processo durará 24 horas para ser completo. Terceira, cancele qualquer compromisso que tenha no dia e desligue o telefone. Você não pode ter nenhuma distração. Quatro, esteja seguro que seja um dia tranquilo, sem ventos ou trovões. Por último, para terminar isso, deve colocar no quarto escolhido, um relógio. Esse relógio deve ter um distinto “tic-tac” em cada segundo que vá passando e, como única iluminação do lugar, uma vela. Uma vez que tenha tudo o que é requisitado, quero que faça uma pergunta a si mesmo , e responda com toda a sinceridade: “Quero realmente fazer isso?” Se a resposta for afirmativa, então espero que Deus, Lúcifer ou qualquer que seja sua crença, tenham piedade de sua alma, porque eu, só estou aqui para lhe preparar. Muito bem, agora vamos às informações e esclarecimentos. Em meados dos anos 1800, membros radicais das fés cristãs, muçulmanas e islâmicas, usaram isso como uma forma de “conectar-se” com o Deus de cada cultura. Entretanto, isso foi algo desconhecido, devido à sua natureza extrema e por ser um método tão incomum para se conectar ao sobrenatural. Durante este processo, aquelas pessoas faziam uma oração constante, mas paravam devido aos eventos que se passariam depois. O relógio representava a vida na terra, quão curta pode ser, e a vela representa Deus como a entidade-guia que o ser humano pode ter ao longo da vida. Infelizmente, é muito comum que as pessoas que se aventuram neste processo acabem perdendo a sanidade e, ao longo do dia, devido a isso, chegam a perder a vida. As primeiras 3 horas são as mais leves, principalmente porque nada chega a acontecer realmente. Utilizem este período para se preparar psicologicamente. Essas serão as únicas horas em que podem escolher entre continuar ou abandonar o processo. Na quarta hora, não poderão escapar sob possibilidade nenhuma. A porta se trancará por si mesma e não há forma de movê-la.

5º Hora: Começará a suar abundantemente e a sentir ansiedade. Poderá ver vultos atrás de você, mas em todas as ocasiões, apenas o nada te acompanhará.

6º Hora: Escutará ruídos. Não serão ruídos da casa ou do lado de fora, mas batidas e ruídos secos, em intervalos de dez minutos, sendo um mais forte que o anterior.

7º Hora: Desmaiará. Sonhará. Mas, acredite em mim, esta será a única hora agradável durante o processo, já que reviverá os melhores momentos de sua vida. Cada vitória, lembrança boa e cada grande amigo que você teve, aparecerá para você. Este será o melhor sonho que terá em vida, e, se tiver sorte, talvez poderá ver algumas coisas que acontecerão no futuro.

8º Hora: Você acordará no início desta hora. Ao fazê-lo, terá uma sensação de comodidade enorme, talvez similar aos efeitos de fumar maconha. Para alguns, isso também pode ser considerada outra hora agradável do processo, mas, a partir da hora seguinte, se desencadeará o sofrimento.

9º Hora: Para que entenda da maneira mais fácil, nesse momento é como se você trocasse de uma droga para outra. A calma será substituída por uma carga de adrenalina e energia, similar aos efeitos de qualquer droga estimulante (por exemplo, cocaína). Advertência: antes de tudo, você deve manter o controle. É imprescindível que seu controle seja mantido nesse estado, pois não há forma de saber nem dizer o que você fará.

10º Hora: Com sorte, apenas terá feridas mínimas no corpo, da hora anterior. Agora começará a voltar à normalidade e as emoções se fusionarão. Nesta hora, começará a escutar gritos que parecem vir do outro lado da porta. Tais gritos variam, sendo tanto de uma menininha, como de um homem adulto, entre outros. Eles ocorrem a cada 6 minutos desta hora, que parece uma eternidade.

11º Hora: Adeus, luz de vela. A vela se apagará. Estará na escuridão durante o resto do processo. Geralmente é nesta hora que você pensa que tomou uma decisão terrível.

12º Hora: Curiosamente, a vela se acenderá sozinha. Não se preocupe, esta será outra hora de silêncio. Aproveite para se preparar psicologicamente para o que virá.

13º Hora: É provável que o ocorrido na hora 7 volte a acontecer, mas ao contrário. Não espere momentos agradáveis. Neste sonho, reviverá cada momento doloroso, sofrimento e coisas ruins. Inclusive, poderá ver o sofrimento futuro, e, com segurança afirmo, que será o pior sonho que você teve e terá em toda sua vida.

14º Hora: Acordará para outra hora de silêncio, que só será rompido pelo soluço de seu choro pelo que viu no sonho. Não importa o quão forte você crê que seja, terá a alma cortada em pedações pelo sonho.

15º Hora: Esta parte poderá lhe matar. Aqui, começará a falar com alguém, que apesar de ser invisível, estará ali com você, lhe fazendo companhia. Não tem nome, mas é um tipo de guardião, a quem você poderá chamar de “Protetor”, “Guardião” ou a forma que quiser. Falando assim pode parecer uma coisa boa, porém a primeira coisa que este ser lhe dirá será “Pergunte-me qualquer coisa e te responderei.” Você pode perguntar qualquer coisa de sua vida. O ser lhe responderá com detalhes extremamente precisos, e lhe dará as razões de todos os seus questionamentos, sem se importar que isso implique tragédia, dano, morte (sua ou de outras pessoas), erro ou o que seja. Ao final, se despedirá e irá embora. Aqui você poderá saber, por exemplo, que foi o motivo da morte de uma pessoa que ama. Quem destruiu a vida de alguém que talvez você nem conheça. Toda a ideia que você tinha de si mesmo, será derrubada.

16º Hora: Conversará com seus pais, mas eles não estarão presentes fisicamente. Agora é o seu turno de responder perguntas. Lhe perguntarão coisas que fez durante a vida e, se não responder alguma de suas perguntas, será pressionado com dor, até que não aguente mais e responda. No final, se despedirão e irão embora. Por mais difícil que seja, precisa se concentrar e não acreditar que uma hora inteira de tortura física e psicológica estão sendo infligidas por seus pais. É tudo parte do processo.

17º Hora: Falará com o homem mais importante de sua vida. Pode ser seu melhor amigo, seu pai, o leiteiro, enfim. Lhe perguntará como e por que se conheceram, e como se deu o vínculo de vocês. Tenha em conta que ele não buscará uma conversação agradável. Se você esquecer de um detalhe, uma mínima vírgula de toda sua relação com esta pessoa, será pressionado novamente por meio de dor, até ir embora. A partir daqui a tortura física fica mais intensa e você pode até sentir o desmembramento de si mesmo. Você sentirá toda a dor de um membro sendo cortado, arrancado ou golpeado. Verá seu sangue. Quanto mais desesperado, mais dor lhe é infligida. Precisa ser muito forte para continuar respondendo as perguntas, ou viverá 60 minutos de uma intensa e insana tortura.

18º Hora: O mesmo que a anterior, mas com a mulher mais importante de sua vida.

19º Hora: Falará com uma pessoa inesperada: você mesmo. Mas no futuro. Acredite, embora você já tenha sentido dor o suficiente, está será a pior conversa que jamais haverá tido. Te dirá coisas que quer e que não quer escutar sobre ti mesmo, e perguntará coisas que não poderá responder. Logo começará a entrar em colapso com você mesmo, gritando com fúria e, provavelmente, o auto-conhecimento seja o único que lhe salve neste momento. Você nunca sabe o que acabará por se tornar no futuro. E se o seu sonho brilhante de se formar e comprar um apartamento, seja interrompido por algum acidente? Cadeira de Rodas? Drogas? Coma? Presídio? Sim, você saberá de tudo. E, provavelmente, não gostará disso.

20º Hora: Após os dolorosos eventos das últimas horas, você começará a se mutilar. Alguns, devo advertir, cometem suicídio neste momento. Não é algo proposital, mas durante 60 minutos você não conseguirá parar de se machucar. Fogo, lâminas, alicates, lixas... Tudo o que você pode imaginar, surgirá na sua frente. É como se você estivesse preso dentro de seu corpo, mas outra pessoa esteja controlando. Você sente a dor, o desespero e tenta lutar. Mas nada adianta.

21º Hora: Se sobreviveu à hora anterior, a música lhe espera. Sim, leu bem, a música. Será música orquestral, algo similar a um coro que canta Cânticos Gregorianos, similar à música de igreja, porém muito mais bonito. No final desta hora, não me pergunte como nem por que, suas feridas saram.

22º Hora: A música acabará. Outra hora de silêncio. Nesta ocasião, você terá tempo para pensar. A luz da vela mudará constantemente a todas as cores do espectro visual.

23º Hora: Você cantará algo similar ao coro anterior, mas não entenderá o que canta. Sua voz será a única que escutará.

Enfim, a 24º hora. A mais interessante. Uns dizem conversar com Deus, outros com o Demônio, não se sabe o que acontecerá com você. Seu corpo será pressionado ao chão por uma força desconhecida e alguém (ou algo) lhe fará perguntas de dez em dez minutos. “Você é feliz?” ou “Você gostaria de mudar?” são exemplos de perguntas. Deve responder de forma rápida e concisa. O interrogante soará como um homem, mas sua voz é de um animal. Aterradora, mas de alguma forma agradável. Logo que a hora termina, poderá se colocar em pé e a porta se destrancará. Se tiver sorte, sairá vivo. Se tiver muita sorte, sairá são. Agora, é você que decide o que fazer com essa informação. Se quiser fazer isso, não será impedido, mas fica um conselho e advertência: há coisas muito além dos terrenos da compreensão humana e, muitas vezes, não há forma de explicar o sobrenatural. Mas, seja o que for, você jamais será o mesmo. É como se prender em uma câmara para sofrer todo tipo de tortura física e psicológica. Você decide. Se quiser perder todo e qualquer rastro de realidade e destruir sua sanidade mental, apenas escute o relógio.

creditos : http://creepypastapuro.blogspot.com.br/

harmonia corporal



Certo dia acordei com o suor descendo pelo meu rosto e ensopando minha camisa. Me sentei na cama dura como pedra pensando em como minha cama havia endurecido em algumas horas. Esperei meus olhos se acostumarem ao breu do quarto e logo o que eu desconfiava se confirmou.

Não era meu quarto.

Me levantei e logo que meus pés descalços tocaram o chão senti o áspero piso de cimento, tomado por poeira e sujeira. Levantei os pés rapidamente e procurei por um chinelo, brigando com a escuridão.

Me levantei e procurei por um interruptor, mas em vão. Apesar de já estar enxergando alguns contornos, ainda estava muito escuro e aquele quarto era completamente novo pra mim, eu nunca havia estado nele.

Tentei abrir a porta e descobri que estava trancada, logo comecei a ficar realmente assustado, com o coração na boca. Pensei em gritar pela minha mãe ou pelo meu pai, mas antes mesmo de gritar por ajuda eu já sabia que eles não iriam me escutar, não ali.

Sentei no chão, já não me importando com a sujeira e comecei a chorar, chorar como um bebê, tinha o direito disso, afinal, ainda não havia completado nem 14 anos.

Mas, na verdade, o pânico de verdade ainda não havia batido, mas não tardou. Bateu quando eu estava ainda sentado chorando como uma garotinha, bateu quando eu passei a mão pelo rosto para secar o olho e senti a pele um pouco mais áspera, quando passei a mão pela cabeça e não senti meus cabelos ondulados, senti apenas um cabelo rente a cabeça e quase tão áspero quanto o chão. Abafei um grito. Eu era outra pessoa, ou melhor, estava no corpo de outra pessoa.

Isso já havia acontecido comigo algumas vezes, mas eram apenas flashes rápidos e incompreensíveis, nunca era nada como o que eu estava vivendo. Algumas pessoas acreditam que isso é um dom espírita, mas eu não acredito muito nessas coisas.

Me levantei e respirei fundo, tentando não entrar em pânico. Encontrei alguma coisa pontuda no chão, um pedaço de arame, imaginei, e sabe-se lá como consegui abrir a porta.

A claridade do outro cômodo me cegou por um momento, mas logo percebi que alguma coisa estava errada, eu não estava no meu tempo, no meu ano, talvez nem no meu século. Eu estava em uma casa antiga, parecia largada haviam anos, estava tudo empoeirado e o chão já havia ganhado uma segunda camada, esta de poeira.

Fui até um espelho enorme que estendia-se até o teto, sobrepondo-se a uma mesa com algumas fotografias de uma jovem branca com um filho de colo, depois essa mesma jovem pra lá dos quarenta anos com um rapaz negro e alto e no final da mesa apenas ela sentada em uma cadeira alta e com uma expressão extremamente triste no rosto. Mas o que chamou a minha atenção foi o meu reflexo escuro no espelho após eu jogar a poeira pro lado com a mão.

Eu era um garoto negro, com cicatrizes em toda a extensão do rosto, olhos inflamados (que só começaram a coçar depois que fiquei sabendo que estavam inflamados, incrível como é nosso cérebro), e uma orelha faltava um respeitável pedaço.

Mas não me demorei muito naquele reflexo, meus olhos foram parar na mesa, atrás das fotografias empoeiradas, em um diário de couro gasto e com um pedaço de papel pardo saindo pra fora. Abri o livro e percebi que o papel pardo era uma notícia recortada de um jornal antigo. Li rapidamente o título e o primeiro parágrafo da notícia:

"Negro é preso após assassinato de recém nascido"

"Brad Rockerty, 26, foi preso após confessar assassinato de Dollis Crossaint, 2 meses de idade, e tentativa de assassinato de Bella Crossaint, 22 an..." O restante do jornal estava rasgado.

Voltei minha atenção para o diário, onde frases desconexas foram escritas em letras rabiscadas:

"Encontrrrei B"

"D bem dorme muito"

"b está apanhando como um porco q é"

"b n vai cresser d nv n vai b criança"

"pretos morrem assaçinos"

"d está uma grassinha q amor"

Fechei o diário com repulsa, achando aquilo doentio.

Olhei ao redor da casa e percebi que havia uma porta que dava para a cozinha. Andei cautelosamente até lá e logo ao entrar senti o cheiro de podridão vindo de panelas há muito não utilizadas e nem lavadas, havia restos de comida pela mesa e pela pia. Me virei rapidamente para sair da cozinha, mas parei com um barulho que me causou arrepios, era um barulho rouco, próximo de choro e vinha de trás da porta do outro lado da cozinha. Abri a porta e ela rangeu em protesto, fui engolido pela escuridão e o cheiro de mofo.

Fui até a sala e peguei um lampião a gás que me lembrava de ter visto um tempo atrás. Voltei até a cozinha e percebi que o caminho que se estendia pela porta era uma escada longa e funda. Desci com cuidado e me dei parado de frente a uma porta de ferro, era dali que o som havia saído minutos atrás, havia alguém ali.

Se eu estivesse com a cabeça no lugar, teria percebido que a porta estava trancada por fora, mas não prestei atenção nisso, apenas abri a corrente e entrei. Passei direto pela porta e levantei o lampião e com o canto do olho vi uma cadeira de balanço com uma senhora. Me aproximei cautelosamente.
"Ola?! Senhora Crossaint?"

A senhora se balançou num esgar que pretendia ser um riso, que na verdade se transformou numa tosse carregada.

"Olha minha quer...rrida. Parece que o senhor Br...Brad veio nos visitar".

Ela olhou pra cima e deu um sorriso, expondo dentes podres e escassos. O riso se transformou numa gargalhada e logo depois em um acesso de tosse.

"Como ousa sair do seu quar...quarto seu preto imundo?" ela gritou "olha o que você fez com a pequena Do...Dollis!"

Foi tudo muito rápido, me lembro de ter caído no chão e batido a cabeça, mas antes de desmaiar me lembro daquela visão terrível. A velha senhora Crossaint levantou o que um dia foi sua filha, agora já em estado de decomposição completo e restando praticamente apenas os ossos. Depois disso apaguei.

 Acordei um tempo depois com uma dor insuportável concentrada na parte de trás da cabeça. Mas quando acordei eu não era aquele pobre menino que havia sido pego por uma mulher que há muito já havia perdido a sanidade e o feito de Brad Brackart apenas por ser negro, eu não estava naquela casa assustadora, eu era apenas Daniel Alphonse, um garoto de 13 anos. O que sempre me passa na cabeça é se aquilo foi real ou apenas um sonho.

Apesar dos anos passados, eu nunca procurei saber se em algum lugar do mundo alguma Bella Crossaint existiu. Depois daquele dia, não tive mais sonhos em que eu me encontrava no corpo de outra pessoa e agradeço por isso.

Talvez eu jamais deva saber se aquilo realmente aconteceu, a linha entre a sanidade e a loucura é bem tênue e eu não quero coloca-la à prova.